TV 247 logo
    Pepe Escobar avatar

    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

    362 artigos

    HOME > blog

    A Guerra dos Corredores Econômicos: o estratagema Índia-Oriente Médio-Europa

    O CIOE está dando o que falar, mas é provável que vá pelo mesmo caminho que os últimos projetos de conectividade propagandeados pelo Ocidente: o lixo

    Mapa do Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (CIOE) (Foto: Reprodução)

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    O Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (CIOE) é uma maciça operação de diplomacia pública lançada na recente cúpula do G20 em Nova Delhi, arrematada por um memorando de intenções assinado em 9 de setembro.

    Entre os participantes estão Estados Unidos, Índia, Emirados Árabes, Arábia Saudita e União Europeia, com papel especial reservado às principais potências desta última, Alemanha, França e Itália. Trata-se de um projeto ferroviário multimodal, acoplado a baldeações, e com estradas secundárias digitais e elétricas estendendo-se à Jordânia e a Israel.

    Se isso faz pensar em uma atrasadíssima resposta do Coletivo Ocidental à Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) chinesa, lançada há dez anos e comemorando um Fórum Cinturão e Rota em Pequim, no próximo mês, é porque é isso mesmo. E, sim, ela é, antes de mais nada, uma outra tentativa americana de superar a China, a ser alardeada, para os mais crus fins eleitorais, como um parco "êxito" de política externa.

    Ninguém da Maioria Global se lembra de que os americanos, em 2010, inventaram seu próprio plano de Rotas da s Sedas. O conceito veio de Kurt Campbell, do Departamento de Estado, e foi vendido pela então Secretária Hillary Clinton como ideia dela. A História é implacável, o projeto deu em nada.

    E ninguém da Maioria Global se lembra do plano de Nova Rota da Seda mascateado pela Polônia, Ucrânia, Azerbaijão e Geórgia em inícios da década de 2010, acompanhado de quatro problemáticas baldeações no Mar Negro e no Mar Cáspio. A História é implacável, e o plano também deu em nada.

    Aliás, ninguém da Maioria Global se lembra do plano global Build Back Better World (BBBW, ou B3W – Reconstruir um Mundo Melhor) patrocinado pelos Estados Unidos, com um orçamento de 40 trilhões de dólares, apresentado com máximo espalhafato apenas dois verões atrás, focando "clima, saúde e segurança sanitária, tecnologia digital e equidade e igualdade de gêneros".”

    Um ano depois, em uma reunião do G7, a B3W já havia encolhido para um projeto de infraestrutura-e-investimentos de 600 bilhões. É claro que nada foi construído. A História realmente é implacável, e mais uma vez o plano deu em nada. O mesmo destino aguarda o CIOE, por uma série de razões muito específicas.

    Mapa do Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa
    Mapa do Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa(Photo: Reprodução)Reprodução

    Pivotando para um vazio negro - Toda a razão de ser do CIOE baseia-se naquilo que o ex-Embaixador M.K. Bhadrakumar deliciosamente descreveu como "invocar os Acordos de Abraão com o ritual mágico de um tango saudi-israelita".

    Esse tango nasceu morto, e nem o fantasma de Piazzolla conseguiria ressuscitá-lo. Para começar, um dos principais atores – O Príncipe Herdeiro saudita Mohammad bin Salman – deixou bem claro que a prioridade de Riad, após seu retorno à Liga Árabe, é uma nova e revitalizada relação com Irã, Turquia e Síria, negociada pelos chineses.

    Além do mais, tanto Riad quanto seu parceiro de CIOE, os Emirados, compartilham imensos interesses nas áreas comercial e energética com a China, de modo que não farão nada para irritar Pequim.

    Aparentemente, o CIOE propõe um impulso conjunto por parte do G7 e dos onze países dos BRICS. Esse é o método ocidental de seduzir para sua agenda a eternamente ambígua Índia de Modi, a Arábia Saudita e os Emirados, aliados dos Estados Unidos.

    Sua real intenção, contudo, é não apenas solapar a ICR, mas também o Corredor Internacional de Transportes Norte Sul (CITNS), do qual a Índia é um participante de máxima importância, juntamente com a Rússia e o Irã.

    O jogo é bastante rude e, na verdade, bastante óbvio: um corredor de transportes concebido para superar os três principais vetores de uma real integração eurasiana – e os membros do BRICS China, Rússia e Irã – balançando uma sedutora cenoura Dividir para Dominar que promete Coisas que Não Podem ser Entregues.

    A obsessão neoliberal americana, no atual estágio do Novo Grande Jogo, é sempre Israel. Seu objetivo é tornar viável o porto de Haifa, transformando-o em um importante nó de transportes entre o Oeste Asiático e a Europa. Tudo o mais está subordinado a esse imperativo israelense.

    O CIOE, em princípio, transitará através do Oeste Asiático para ligar a Índia à Europa Oriental e Ocidental – vendendo a ficção de que a Índia é um Estado Pivô Global e uma Convergência de Civilizações.

    Bobagem. Embora o grande sonho da Índia seja se tornar um estado-pivô, sua melhor chance seria o CITNS já em operação, que abriria a Nova Delhi mercados indo da Ásia Central ao Cáucaso, De outra forma, como Estado Pivô Global, a Rússia está muito à frente da Índia em termos diplomáticos, e a China está muito à frente em comércio e conectividade.

    Comparações entre o CIOE e o Corredor Econômico China-Paquistão (CECP) são fúteis. O CIOE é uma piada se comparado a esse projeto carro-chefe da ICR: o plano de 57,7 bilhões de dólares de construir uma ferrovia de mais de 3.000 quilômetros de extensão ligando Kashgar, em Xinjiang, ao Gwadar, no Mar da Arábia, que se conectará a outros corredores terrestres da ICR seguindo em direção ao Irã e à Turquia.

    Essa é uma questão de segurança nacional para a China. Pode-se apostar, portanto, que a liderança de Pequim terá algumas discretas e seríssimas conversas com os atuais quinta-colunistas no poder em Islamabad, antes ou durante o Fórum da Cinturão e Rota, para fazê-los lembrar dos Fatos pertinentes em termos geoestratégicos, geoeconômicos e de investimentos.

    Então, o que sobra para o comércio indiano em tudo isso? Não muito. Eles já usam o Canal de Suez, uma rota direta e testada. Não há incentivo para sequer começar a pensar em ficar preso em vazios negros espalhados pelas vastas extensões de deserto que circundam o Golfo Pérsico.

    Um problema óbvio, por exemplo, é que quase 1.100 quilômetros dos trilhos estão "faltando" na ferrovia que vai de Fujairah, nos Emirados, a Haifa, 745 quilômetros estão "faltando" entre Jebel Ali, no Dubai, e Haifa, e 630 quilômetros estão "faltando" na ferrovia que vai de Abu Dhabi a Haifa.

    Quando todos os trechos que faltam são somados, há 3.000 quilômetros de ferrovias a serem ainda construídos. Os chineses, é claro, conseguiriam fazer tudo isso no café da manhã por uns tostões, mas eles não fazem parte desse jogo. E não há sinais de que a turma do CIOE planeje convidá-los.

    De olho em Syunik - Na Guerra dos Corredores de Transportes mapeada em detalhes para o The Cradle em junho de 2022, fica claro que intenções raramente se tornam realidade. Esses grandes projetos tratam de logística, logística, logística – entrelaçados, é claro, com os outros três principais pilares: energia e recursos energéticos, trabalho e manufaturas, e regras de mercado/comércio.

    Examinemos um exemplo da Ásia Central. A Rússia e os três "istãos" centro-asiáticos – Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão – estão lançando um Corredor de Transportes do Sul multimodal que irá contornar o Cazaquistão.

    Por quê? Afinal das contas, o Cazaquistão, juntamente com a Rússia, é um membro importante tanto da União Econômica Eurasiana (UEEA) quanto da Organização de Cooperação de Xangai (OCX).

    A razão é que o novo corredor soluciona para a Rússia dois problemas importantes, decorrentes da demência das sanções ocidentais. Ele contorna a fronteira cazaque, onde tudo o que vai para a Rússia é examinado com um nível excruciante de detalhe. E uma parte significativa da carga pode agora ser transferida para o porto russo de Astrakhan, no Mar Cáspio.

    Astana, portanto, que sob pressões do Ocidente vem jogando contra a Rússia um arriscado e ambíguo jogo, pode acabar perdendo o status de nó de transportes plenamente desenvolvido na Ásia Central e na região do Mar Cáspio. O Cazaquistão também participa da ICR, e os chineses já estão muito interessados no potencial desse corredor.

    No Cáucaso, a história é ainda mais complexa, e mais uma vez, trata-se unicamente do Dividir para Dominar.

    Há dois meses, Rússia, Irã e Azerbaijão se comprometeram a construir uma única ferrovia indo do Irã e de seus portos no Golfo Pérsico, atravessando o Azerbaijão, a ser conectada com o sistema ferroviário Russo-Leste Europeu.

    Esse projeto ferroviário tem a mesma escala da Transiberiana – e visa a conectar o Leste Europeu com o Leste Africano e o Sul da Ásia, evitando o Canal de Suez e os portos europeus. Um CITNS turbinado a esteroides, de fato.

    Adivinhem o que aconteceu logo em seguida? Uma provocação em Nagorno-Karabakh, com o potencial letal de envolver não apenas a Armênia e o Azerbaijão, mas também o Irã e a Turquia.

    Teerã vem sendo explícita quanto a suas linhas vermelhas: ela jamais permitirá uma derrota da Armênia, com participação direta da Turquia, que dá total apoio ao Azerbaijão.

    Acrescente-se a essa mistura incendiária os exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos na Armênia – que é membro do Organização do Tratado de Segurança Coletiva liderada pela Rússia – mostrados, para consumo público, como um dos aparentemente inocentes programas de "parceria" da OTAN.

    Tudo isso significa uma trama secundária do CIOE com o objetivo de solapar o CITNS. Tanto a Rússia quanto o Irã têm plena consciência das fraquezas endêmicas do primeiro: divergências políticas entre vários dos participantes, os trechos onde "faltam trilhos" e a magnitude da infraestrutura ainda a ser construída.

    O Sultão da Turquia Recep Tayyip Erdogan, de sua parte, jamais abrirá mão do Corredor Zangezur que atravessa Syunik, a província ao Sul da Armênia, previsto no armistício de 2020, que liga o Azerbaijão à Turquia pelo enclave de Nakhitchevan – que irá atravessar território armênio.

    Baku ameaçou atacar o Sul da Armênia caso o corredor Zangezur não fosse facilitado por Yerevan. De modo que Syunik é a próxima grande questão não-resolvida nessa charada. Teerã, deve-se observar, partirá para um tudo ou nada para evitar que um corredor Turquia-Israel-OTAN feche o acesso do Irã à Armênia, Geórgia, Mar Negro e Rússia. Isso realmente aconteceria caso essa coalizão, com a participação da OTAN, vier a se apoderar de Syunik.

    Hoje, Erdogan e o Presidente do Azerbaijão Ilham Aliyev se encontram no enclave Nakhchivan situado entre Turquia, Armênia e Irã para dar partida a um gasoduto e inaugurar um complexo de produção militar.

    O Sultão sabe que Zangezur talvez finalmente permita que a Turquia se conecte à China por meio de um corredor que atravessará o mundo túrquico, no Azerbaijão e no Cáspio. Isso permitiria também que o Coletivo Ocidental apele com ainda mais força para o Dividir e Dominar contra a Rússia e o Irã.

    Seria o CIOE uma outra fantasia irrealista do Ocidente? Teremos a resposta observando o que ocorrerá em Syunik.

    Tradução de Patricia Zimbres

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: